Crítica Literária: Ocidente de Alberte Momán Noval
Ocidente, de Alberte Momán Noval, publicado em 2025, é uma obra que transcende as convenções tradicionais da narrativa literária, mergulhando em um universo de simbolismo, fragmentação e reflexão profunda sobre a memória, a identidade e o peso do colonialismo cultural. A obra, estruturada em uma sequência de capítulos que alternam entre prosa poética, narrativa surrealista e confissões pessoais, desafia o leitor a navegar por um texto denso, que mescla imagens oníricas, crítica social e uma introspecção quase confessional. Esta crítica analisa os principais elementos temáticos, estilísticos e estruturais de Ocidente, destacando sua relevância no panorama literário contemporâneo e sua capacidade de provocar reflexão sobre a condição humana e o legado do "homem branco".
Contexto e Estrutura
O livro, conforme indicado na página de créditos, é uma criação autoral completa de Momán Noval, que assina não apenas o texto, mas também o design e a edição, com a capa ilustrada por Darla Hueske. A licença da obra, que permite cópias e distribuição desde que não sejam feitas alterações ou usos comerciais, sugere uma intenção de democratizar o acesso ao texto, mantendo, no entanto, a integridade da visão do autor. A estrutura do livro é fragmentada, com capítulos numerados e seções que variam entre narrativas longas e passagens curtas, quase aforísticas, que evocam uma sensação de descontinuidade temporal e espacial. Essa fragmentação reflete o tema central da obra: a perda da memória e a dificuldade de construir uma narrativa coesa em um mundo marcado pela opressão e pela desumanização.
A obra inicia com uma dedicatória implícita, "Diz-me o teu nome", que estabelece um tom de busca por identidade e conexão. A partir daí, a narrativa se desdobra em episódios que misturam realismo mágico com críticas ao colonialismo, à hegemonia cultural do "Ocidente" e à alienação do indivíduo em um mundo que parece desmoronar sob o peso de suas próprias contradições.
Temas Centrais
Memória e Esquecimento
Um dos temas mais proeminentes em Ocidente é a memória, ou a falta dela. A narrativa frequentemente retorna à ideia de que o passado é frágil, quase inacessível, e que os personagens vivem em um presente suspenso, onde o esquecimento é tanto uma maldição quanto uma forma de sobrevivência. Em passagens como "Se mal te lembras de qual foi o jantar de ontem, como é que te importas por não conhecer o que aconteceu há alguns séculos", o autor questiona a relevância de um passado que não pode ser recuperado, sugerindo que a memória é um fardo que, paradoxalmente, define a identidade, mas também a aprisiona.
A baleia branca, uma imagem recorrente na obra, simboliza esse esquecimento coletivo. Ela emerge do asfalto, engole memórias e desaparece, deixando os personagens em um estado de perplexidade e desamparo. Essa figura, que remete ao Moby Dick de Melville, mas reinterpretada em um contexto surrealista, representa a força avassaladora da história ocidental, que consome e apaga as narrativas marginais, deixando apenas vestígios vagos e incompletos.
O "Homem Branco" e o Colonialismo
O "homem branco" é uma figura central e recorrente em Ocidente, funcionando como uma metáfora para o colonialismo, a dominação cultural e a imposição de uma narrativa universalista que marginaliza outras vozes. Em passagens como "Aprendemos em crianças a falar a língua do homem branco, aquela do ocidente que se tornou universal, porque o ocidente só conhece uma língua", Momán Noval critica a hegemonia cultural que homogeneíza e silencia. O "homem branco" não é apenas um opressor externo, mas também uma força internalizada, presente nos próprios personagens que lutam para se libertar de sua influência.
A confissão final do autor, endereçada a Ana, revela uma autocrítica: "O homem branco são também eu, que escrevo". Essa admissão reconhece que o autor, como parte do sistema ocidental, também é cúmplice das estruturas que critica. Essa reflexão confessional eleva a obra a um nível de honestidade intelectual, onde o escritor não se coloca acima do problema, mas como parte dele, buscando redenção através da escrita.
Solidão e Conexão Humana
A solidão é outro tema que permeia Ocidente. Os personagens, muitas vezes sem nome ou com identidades fluidas, vagam por paisagens desoladas, sejam elas urbanas ou naturais, em busca de conexão. A ilha Solidão e a ilha Comunicação, descritas na narrativa, simbolizam dois polos opostos: a introspecção necessária para a reflexão e a necessidade de diálogo, que muitas vezes é frustrada pela "incomunicação" do mundo moderno. A mulher que vive na ilha Solidão, por exemplo, reflete sobre a memória e os sentimentos, mas lamenta a falta de alguém com quem compartilhar suas descobertas.
A relação entre o casal central, que não é nomeado até o momento em que ele é chamado de Alberte, é marcada por uma tensão entre intimidade e distância. A confissão de amor dele, "Acho que estou a apaixonar-me por ti", é recebida com silêncio, sugerindo uma incapacidade de corresponder plenamente em um mundo onde a memória e a identidade estão fragmentadas. Essa tensão reflete a dificuldade de estabelecer laços genuínos em um contexto de alienação e perda.
Estilo e Linguagem
O estilo de Momán Noval é profundamente poético, com uma prosa que oscila entre o lirismo e o surrealismo. A linguagem é rica em imagens sensoriais, como "os minutos corriam pelo quarto, escorregando pelas paredes como água numa cachoeira", que criam uma atmosfera onírica e reforçam a sensação de fluidez temporal. A repetição de certos motivos, como o copo, o álcool e a baleia branca, funciona como um fio condutor que une os fragmentos narrativos, conferindo uma coesão temática à obra.
A linguagem também é marcada por uma crítica implícita à linearidade narrativa. As passagens curtas, especialmente nas seções finais, assemelham-se a poemas em prosa, com uma cadência rítmica que evoca a oralidade e a confissão. A escolha de palavras como "eufemismos" e "heterotopia" sugere uma influência filosófica, remetendo a conceitos de Foucault e à ideia de espaços que existem fora da norma, mas que refletem as contradições da sociedade.
Crítica Social e Relevância
Ocidente é, acima de tudo, uma crítica ao legado do colonialismo e à hegemonia cultural do Ocidente. A obra questiona a imposição de uma narrativa dominante que apaga as vozes marginais, sejam elas de mulheres, povos colonizados ou indivíduos alienados pela modernidade. A figura do "homem branco" é desmascarada como uma força destrutiva, mas também como uma construção frágil, que depende da submissão dos outros para se manter.
A relevância de Ocidente reside em sua capacidade de dialogar com questões contemporâneas, como a descolonização do pensamento, a crise de identidade em um mundo globalizado e a busca por significado em um contexto de fragmentação. A obra desafia o leitor a confrontar sua própria posição dentro dessas estruturas de poder, especialmente na confissão final, que convida Ana — e, por extensão, o leitor — a continuar a luta por uma narrativa própria.
Conclusão
Ocidente é uma obra desafiadora, que exige do leitor um mergulho profundo em suas camadas de significado. Alberte Momán Noval constrói uma narrativa que é ao mesmo tempo íntima e universal, pessoal e política, poética e crítica. Através de sua prosa fragmentada e de suas imagens poderosas, o autor explora a fragilidade da memória, a violência do colonialismo e a busca por conexão em um mundo marcado pela alienação. A confissão final, endereçada a Ana, é um apelo à autenticidade e à resistência, reconhecendo que a escrita, por mais poderosa que seja, não pode substituir a experiência vivida. Ocidente é, assim, uma obra que não apenas reflete sobre o passado e o presente, mas também aponta para a possibilidade de um futuro onde as vozes silenciadas possam, finalmente, ser ouvidas.

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