Experimentação e Identidade na Literatura Galega Contemporânea: O Caso de Alberte Momán

Introdução
Este ensaio académico em língua portuguesa tem como missão oferecer uma abordagem abrangente e crítica da obra do escritor galego Alberte Momán Noval, nascido em Ferrol (28 de setembro de 1976) na Galiza. (Medulia Editorial) O objetivo é articular a biografia, o contexto cultural e literário em que Momán se insere, a análise dos seus principais géneros (poesia e narrativa), as temáticas recorrentes no seu trabalho, e finalmente situar a sua obra no panorama da literatura galega contemporânea, com breves comparações intertextuais e sugestões para investigação futura.
Dado o carácter complexo e multifacetado da sua produção — que atravessa poesia, narrativa, iniciativas editoriais e uma forte ligação à língua galega — o ensaio será estruturado em diferentes secções: (1) contexto e trajectória; (2) géneros e formas; (3) temáticas centrais; (4) estilo, linguagem e experimentação; (5) lugar na literatura galega e comparações; (6) considerações finais e linhas de pesquisa.
1. Contexto e trajectória
Alberte Momán, “nado en Ferrol o 28 de setembro de 1976”, é engenheiro técnico agrícola e escritor de língua galega, com produção em poesia, narrativa e também como editor. (Medulia Editorial) A sua trajectória literária começa com colaborações em antologias e revistas culturais da Galiza (por exemplo, participou no volume colectivo Sempre mar. Cultura contra a burla negra, vinculado ao desastre do Prestige) e rapidamente se diversificou em diferentes géneros. (Medulia Editorial)
Em 2005 recebeu um accésit no certame de narrativa breve do concelho de Curtis pela obra Benvidos á noite americana. (Medulia Editorial) A partir desse momento, a sua obra foi-se consolidando com publicações poéticas, narrativas curtas, e participação em antologias. Em 2012 fundou a editora O Figurante Edicións, no esforço de contribuir ao panorama editorial galego, sobretudo para a poesia. (Medulia Editorial)
Um aspecto relevante a destacar no seu contexto é a crise do sistema editorial para a poesia em galego, que Momán tema-reflete nas suas entrevistas, ao lamentar a reduzida base de leitores e as dificuldades de distribuição para editoras pequenas. (axendacultural.aelg.gal) Esse facto situa-o não apenas como autor, mas também como agente cultural que procura intervir no campo literário galego.
Portanto, Momán emerge num cenário em que a língua galega, a produção literária periférica e as editoras independentes convivem com desafios de público, visibilidade e financiamento. Esse enquadramento será determinante para compreender as escolhas temáticas e formais que o autor faz ao longo da sua obra.
2. Géneros e formas
A obra de Momán distribui-se essencialmente por dois géneros: a poesia e a narrativa (contos/romance). Em menor grau, participa também da edição e promoção literárias.
2.1. Poesia
Uma das suas primeiras publicações é o livro de poesia O alento da musa (2007). (libreriatrama.com) A poesia de Momán caracteriza-se por um forte componente imagético, uma voz lírica que articula paisagens interiores e exteriores e uma relação com a língua galega como espaço de afirmação identitária. Apesar de não dispormos aqui de exaustiva bibliografia de cada livro, os catálogos da Asociación de Escritoras e Escritores en Lingua Galega (AELG) apontam para uma produção poética rica e variada (ver bibliografia no centro de documentação da AELG). (aelg.gal)
2.2. Narrativa
Na narrativa, Momán apresenta livros como Vattene! (2013) — definida pelo próprio autor como “micronovela” —, em que a acção se reduz, a linguagem extravasa o convencional e a situação narrada exprime um estado de emergência existencial. (aelg.gal) Outro livro significativo é Ocidente (2017), uma colectânea de relatos que problematizam o conceito de Ocidente, dominação e linguagem. (ofigurante.eu) Já Lapamán (2018) inscreve-se no domínio da “micronovela” ou da narrativa breve, com elementos de ficção negra e de hibridismo de género. (tercerafundacion.net)
2.3. Hibridismo formal
Um traço que se torna recorrente na obra de Momán é o hibridismo formal — a transgressão de fronteiras entre poesia e prosa, narrativa e ensaio, e a adopção de géneros pouco convencionais (micronovela, relatos curtos com inflexões fantásticas). Esse aspecto será aprofundado mais adiante.
3. Temáticas centrais
Podem definir-se várias grandes linhas temáticas na obra de Momán:
a) Crise, perda, transformação
A temática da perda, da instabilidade, da transição aparece com vigor em Vattene! — o protagonista perde tudo, a “classe média” aparece como instável, há a metáfora da cegueira recuperada. (axendacultural.aelg.gal) Essa temática conecta a situação individual com a conjuntura neoliberal e a precariedade social, o que confere à narrativa uma dimensão socioeconómica e política.
b) Identidade linguística e cultural
Como autor que escreve em galego, Momán participa da luta e diálogo pela afirmação da língua própria. A publicação na Galiza, o contexto de editoras pequenas, a defesa da poesia galega emergem como ancoragens identitárias. A própria crise do sistema editorial galego, mencionada acima, reflete-se como tema estrutural no seu fazer literário.
c) Corpo, erotismo, tabu
No seu início literário, Momán abordou a narrativa erótica e os tabus relacionados com o sexo — por exemplo, a menção da obra O lobo da xente numa notícia de 2003: “o sexo está presente no livro, mas aparece dun xeito erróneo”. (consellodacultura.gal) Este interesse pelo corpo, pela vulnerabilidade, pelo trauma emerge também na sua poesia.
d) Hibridismo, surrealismo, onirismo
Em Vattene!, o autor reconhece influências do surrealismo de Eugenio Granell. (axendacultural.aelg.gal) O desmoronamento das certezas, a estrutura fragmentária, a digressão metafórica remetem para um modo de escrita que ultrapassa o realismo tradicional. A narrativa assume tonalidades fantásticas, simbólicas ou alegóricas.
e) Crítica social e domínio cultural
Em Ocidente, Momán coloca a linguagem e o “Ocidente” como instâncias de dominação globalizada: “Aprendemos em crianças a falar a língua do homem branco, aquela do ocidente que se tornou universal, porque o ocidente só conhece uma língua.” (ofigurante.eu) Assim, emerge uma reflexão sobre poder, língua, colonização cultural e identidade periférica.
4. Estilo, linguagem e experimentação
A obra de Momán caracteriza-se por uma linguagem cuidada, uma sintaxe que não recua perante o risco da fragmentação ou da metáfora intensa, e um uso consciente da língua galega como instrumento estético e político.
4.1. Linguagem galega e literariedade
Ao escrever em galego, Momán insere-se num contexto de literatura minorizada, o que exige uma consciencialização formal: a língua como recado, símbolo e território. O facto de colaborar com a AELG e de participar em revistas e antologias da Galiza reforça essa consciência. (aelg.gal)
4.2. Estrutura e forma narrativa
Na narrativa de Momán (especialmente nos trabalhos de micronovela), as estruturas tradicionais são quebradas: o tempo linear perde força, o espaço físico e psicológico fundem-se, o protagonista pode perder o nome ou a identidade. Em Vattene!, esta estrutura labiríntica e desestabilizada aparece com clareza. (aelg.gal)
4.3. Imagem, metáfora e atmosfera
A componente poética é sempre presente, mesmo nas obras narrativas. A construção de imagem, a densidade simbólica — por exemplo, a vaca que fala em Vattene! — são indícios de que Momán recusa o realismo mimético simples. Esta preferência estilística aproxima-o de correntes literárias mais experimentais.
4.4. Hibridismo genérico
Momán frequentemente funde géneros: poesia que se aproxima da prosa, narrativa que recua para o simbólico, contos que parecem poemas em prosa. Esse hibridismo permite ao autor explorar os limites da representação e subverter expectativas literárias. Em entrevistas, ele próprio refere-se à sua “mais cómoda” escrita poética, mas escolhe narrativa para desenvolver certas ideias. (axendacultural.aelg.gal)
5. Lugar na literatura galega e comparações intertextuais
Neste ponto, convém situar Momán no panorama da literatura galega contemporânea. Ele aparece como um autor que, pese embora não seja ainda amplamente divulgado fora da Galiza, ocupa um lugar relevante por combinar produção literária e editorial, e por articular temas culturais e linguísticos com experimentação formal.
Comparação com outros autores galegos
Pode ser interessante contrapor Momán com autores galegos que privilegiam a narrativa tradicional ou a poesia mais convencional. Por exemplo, em contradição com produções mais realistas e de forte inserção social da Galiza, Momán adota o simbólico, o fragmentário, o híbrido. Em termos de poesia, a sua voz pode dialogar com a de autores que trabalham a língua galega como espaço de redefinição identitária — embora com direcções formais diferentes.
Inserção no contexto lusófono e ibérico
Apesar de escrever em galego, a actualização de temáticas como a crise da classe média, o neoliberalismo, a crise identitária e a linguagem global inscreve-o num diálogo mais amplo com a literatura ibérica e lusófona contemporânea. A metáfora da peregrinação, da perda de raízes, da hibridação cultural coloca-o num contexto europeu multidirecional.
Originalidade e contingência
A originalidade de Momán reside em como articula a minoria linguística (a Galiza) com formas literárias não convencionais e com problemáticas universais: identidade, língua, crise, metamorfose. Ao mesmo tempo, é contingente às condições específicas da Galiza: a imprensa, as editoras, a língua, o mercado literário reduzem parcialmente o alcance do autor, o que torna a sua obra mais “clandestina”, mais própria de círculos literários atentos. Ele próprio reconheceu que “non hai lectores nin lectoras” para poesia em galego, o que torna o seu estatuto autoral distinto. (axendacultural.aelg.gal)
6. Considerações finais e linhas de investigação futura
Para concluir, podemos afirmar que Alberte Momán é um autor que conjuga de forma consciente a língua galega, a experimentação formal e a problematização dos grandes temas contemporâneos — crise, identidade, mundo globalizado — num corpus relativamente potente e diversificado. A sua produção é um recurso importante para estudar a literatura galega contemporânea em diálogo com a Europa periférica, e para investigar como se dá a produção literária em línguas minoritárias num mundo globalizado.
Algumas linhas de investigação futura que me parecem interessantes:
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Uma análise comparativa entre a poesia e a narrativa de Momán: em que medida os traços estilísticos da poesia migram para a narrativa, e vice-versa.
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Um estudo temático profundo da crise e da classe média em Vattene! e em outras obras, relacionando-as com o contexto socioeconómico galego e global.
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Uma perspectiva linguística: como Momán mobiliza o galego (coas suas variantes, expressões, interjeições) para produzir sentido literário — e qual é o impacto sobre leitores galegofalantes vs não galegofalantes.
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Um estudo editorial e de recepção: dado o seu envolvimento com a editora O Figurante e o seu comentário crítico ao sistema literário galego, há espaço para investigar como as dinâmicas editoriais condicionam a publicação, a leitura e o reconhecimento de autores em língua galega.
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Uma leitura intertextual: verificar influências do surrealismo (como Granell), do fantástico, da narrativa de crise existencial e até do hibridismo de género — e pôr em diálogo Momán com autores galegos, peninsulares e lusófonos que partilham essas abordagens.
Bibliografia básica
Embora não seja exaustiva, seguem-se algumas referências da obra de Momán consultadas:
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Momán Noval, Alberte. O alento da musa. Difusora de Letras, Artes e Ideas, 2007. (libreriatrama.com)
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Momán Noval, Alberte. Vattene!. (Micronovela), 2013. (aelg.gal)
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Momán Noval, Alberte. Ocidente. Grupo Editorial Círculo Rojo, 2017. (ofigurante.eu)
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Momán Noval, Alberte. Lapamán. 2018. (tercerafundacion.net)
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Centro de Documentação da AELG. “Bibliografía do autor”. (aelg.gal)
Fecho
Em suma, Alberte Momán representa uma voz literária galega contemporânea que não se contenta com os géneros convencionais, que questiona a posição periférica da Galiza, que experimenta com o idioma e a forma, e que oferece um campo fecundo para o estudo literário académico. A riqueza e a diversidade da sua obra permitem múltiplas leituras — históricas, formais, temáticas, identitárias — e convidam a que a crítica em língua portuguesa (como aqui) contribua para a sua maior visibilidade e apropriação transfronteiriça.
Se desejar, posso elaborar um índice analítico aprofundado, com sub-capítulos pormenorizados (por exemplo, por obra específica ou por temática) ou preparar-lhe uma versão formatada para publicação académica.
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